A verdade por sua conta

Na Captura dos Friedman (Capturing the Friedmans, 2003)
Na Captura dos Friedman é uma produção da HBO que reconstrói a história da família cujo pai e um dos filhos foram acusados de pedofilia através de um discurso que merece toda a atenção por ser construído para “brincar” com a formação da opinião do espectador, tendendo ora para um lado, ora para o outro, mas transferindo no final das contas para o fruidor toda a responsabilidade pela formação de uma opinião sobre a possível culpa dos dois. O mais bizarro é que grande parte das imagens da família foram feitas pelo filho mais velho, David, que tinha uma câmera de video e durante muito tempo registrou o cotidiano da família (inclusive quando os conflitos familiares explodiram com as acusações a as prisões do pai Arnold e do filho Jesse). O diretor estreante Andrew Jarecki parte de um material riquíssimo e bastante incomum para documentários que partem de imagens de arquivo para reconstruir histórias, mas não consegue evitar trilhas excessivamente dramáticas (o que não chega a comprometer tanto o resultado final, embora pudesse ser evitado nem perda alguma para o filme, e cause uma pequena perda na credibilidade pela apelação). Na Captura dos Friedman funciona tanto quanto filme em si quanto pelo valor documental, embora esse caráter “documental” em sua essência possa ser contestado em trabalhos de investigação que se resumem fundamentalmente a uma reunião de depoimentos e imagens de arquivo – só que este filme especificamente ganha muito com essas imagens captadas por David e incluídas na versão final. Através da história de Arnold e Jesse e da deterioração da família Friedman, o filme promove a discussão sobre os papéis de diversos agentes responsáveis pela instauração de uma situação de pânico social criada na comunidade de Long Island, e sobre a paranóia que assola os americanos e dá origem a gerações de jovens desiludidos – eles personagens de filmes como Elephant ou qualquer um de Todd Solondz (Palindromes, o mais recente e mais bizarro filme de Solondz, vai ganhar resenha em breve. Só preciso assistir novamente).
* Uma curiosidade é que o filme surgiu quando o diretor “desmascarou” o melancólico palhaço Silly Billy, personagem de um documentário que Jarecki estava produzindo o palhaço que ele acabou descobrindo ser David – o filho mais velho e, quem sabe, talvez cineasta, caso o destino da sua família não tivesse tomado um rumo tão infeliz.

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