
Todo mundo já sabe que virou moda misturar samba com qualquer coisa (principalmente com rock, mas também com pop, dub e drum'n'bass) e achar que isso é muito vanguardista, depois que o Los Hermanos o fez com tanta competência. E, no meio de uma profusão de bandas/artistas investindo todas as fichas no estilo, é de se louvar quem o faz com competência.
Esse é o caso de Nervoso, veterano da cena independente carioca, ex-Matanza, Beach Lizzards e Acabou La Tequila, que no ano passado começou um trabalho solo assumindo os vocais e guitarra de uma formação que tem ainda Robério Catelani na bateria, Kiko Ramos no baixo, Benjão na guitarra, Alberto nas teclas e vozes e Marcelo Magdaleno no sax e vozes também.
"Saudade das Minhas Lembranças", lançado pelo selo carioca midsummer madness, é o primeiro disco solo dele, e sucede o EP "Personalidade", que já dava uma idéia do que vinha pela frente. Todo gravado apenas por Nervoso e Marcelo Callado na bateria, "Personalidade" tem uma das capas mais legais de discos independentes lançados recentemente.
Dizer que se trata apenas de mais um artista que segue os passos dos barbudos cariocas é, no mínimo, injusto. Nervoso não faz o menor esforço para soar moderninho em suas misturas competentes que inevitavelmente seguem uma tendência bastante atual. Ele não quer soar cool. Muito pelo contrário, a cada que faixa que passa, o que se ouve é um som mais e mais retrô.
Longe de apresentar um amontoado de referências apenas despejadas e pouco trabalhadas, e embora ecos dos barbudos cariocas possam realmente ser notados, várias outras referências são latentes. O disco todo é bem brasileiro, mas sem soar regionalista. E isso conta muito em favor de Nervoso, porque bandas boas e competentes surgem aos montes, mas poucas conseguem o feito de evitar soar repetitivas, o que é excessivamente comum no indie rock nacional. O que se tem aos montes são bandas com excessivamente regionalistas, ou outras muito semelhantes a milhares de outras, nacionais e internacionais, que chegam a nós aos montes.
As referências remetem a tempos bem mais remotos, à jovem guarda, à MPB, ao samba e ao rock gaúcho, principalmente nos vocais à la Wander Wildner. Outra semelhança com Wander Wildner são as letras, excessivamente românticas, apaixonadas, exageradas, lamuriosas de alguém que parece cantar com o coração realmente partido. Um Wander Wildner mais amargurado, como os próprios títulos das músicas sugerem (Já Desmanchei Minha Relação e Despedida Sem Fim)."Saudade das Minhas Lembranças" é um disco rock. É, o samba está presente, e a bateria está lá para nos lembrar disso todo o tempo. Nervoso alterna momentos de peso e guitarras poderosas com outros em que dá até vontade de bater palma. Só não dá para abrir uma roda porque esse samba daqui não é assim, digamos, tão "alegre".
A faixa "Não Quero Dar Explicação" é aberta pelo poeta Chacal, que recita o texto Latas Vazias. O disco conta ainda com as participações de Gabriel Thomaz, do Autoramas, na faixa "Clube da Luta", e Rodrigo Amarante (sim, ele mesmo, do Los Hermanos), em "Mais Justo". O refrão de "Já Desmanchei Minha Relação" poderia ter sido extraído de um disco de Roberto Carlos, é a faixa mais jovem guarda do disco. "O Percurso", por sua vez, é para ser ouvida quando se está bêbado, e de preferência numa dor de cotovelo. Melhor ainda, no volume máximo, dentro do carro, naqueles momentos em que se tenta cantar mais alto que o volume do som, não importando em que altura ele esteja. Dá vontade de sair gritando o refrão, pensando na pessoa que te deixou na merda.
E, bem sabendo que a saída não é fazer as coisas de qualquer jeito só porque um disco representa mais possibilidades de divulgação (erro grave cometido por muitas bandas, mas caminho inevitável em tempos de tantas facilidades promovidas pela tecnologia e diminuição dos custos para se gravar algo), Nervoso cuidou muito bem de tudo. A arte do disco é primorosa, cuidada. O disco é bem produzido e, independentemente de se gostar ou não do som, dá orgulho de ter e vontade de sair mostrando a todo mundo.

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