
O filme “O Fim e o Princípio” estréia hoje em Salvador, na Sala Walter da Silveira. O documentário foi exibido pela primeira vez em Salvador há pouco tempo, na comemoração do dia do jornalista, em um café da manhã com a participação do próprio Eduardo Coutinho, que na palestra falou sobre roteiros “inventados” para serem apresentados em editais e as dificuldades que, incrivelmente, ele também enfrenta para viabilizar seus documentários.
“O fim e o princípio” é um filme fascinante por vários motivos. Coutinho parte para um pequeno povoado no sertão da Paraíba chamado Sítio Araçás, que pertence ao município de São João do Rio do Peixe, sem roteiro, sem personagens definidos (ou atores sociais, como preferiria Bill Nichols), sem planejamento - ou seja, do jeito que todo documentarista gostaria de poder trabalhar.

Lá, começa a busca pela(s) história(s) que vai contar, que nem ele mesmo sabe qual(is) será(ão). Além da decisão inevitável de quebrar a ilusão fílmica desde o início pela própria natureza e especificidades deste trabalho, Coutinho expõe no metalingüistico “O Fim e o Princípio” algumas questões sobre a própria realização de documentários, provocando reflexão não somente sobre vida, morte, valores, família, religiosidade popular, pobreza e outros temas que dizem respeito diretamente aos personagens, mas também sobre tópicos aos quais as produções prática e acadêmica em torno do documentário se dedicam desde o surgimento do gênero, nos idos dos anos 20.
Como em muitos outros trabalhos do diretor, a palavra tem importância fundamental em “O Fim e o Princípio”, e essa palavra mais uma vez é dada ao cidadão comum. Eduardo Coutinho consegue fazer um filme em que os personagens são em sua grande maioria idosos extrair gargalhadas da platéia.

A busca pelo filme começa quando a equipe encontra Rosa, uma professora e agente da pastoral da criança que, como é bastante comum neste tipo de povoado, é parente de quase todos (ou todos) os moradores locais.

Em algumas situações, o papel de entrevistador normalmente reservado ao diretor é transferido para ela, que ajuda Eduardo Coutinho a extrair daquelas pessoas tão pobres e ao mesmo tempo tão ricas relatos extremamente pessoais sobre temas ligados ao cotidiano daquele pequeno vilarejo onde a energia elétrica ainda não chegou, onde todas as casas têm um grande forno de barro no quintal, onde os velhinhos fumam seus cigarros de palha e cachimbos, onde existe tanta poesia e melancolia, onde a dignidade não se perdeu, onde a noção de tempo se relativiza imensamente, onde as pessoas não reclamam da vida, e onde são fascinantes as demonstrações de fé no sagrado que está muito mais ligado ao catolicismo popular do que à religião oficial.


Em uma outra situação bem peculiar, Eduardo Coutinho é que é argüido por Seo Leocádio sobre se acredita em Deus.

“O Fim e o Princípio” tem um significado especial para mim, que tive o privilégio de conhecer pessoas como as que “protagonizam” o filme de Eduardo Coutinho durante um ano quase inteiro que passei viajando pelo interior da Bahia com o prograna Na Carona, passando pelos municípios, povoados e vilarejos mais distantes e esquecidos (se é que foram lembrados algum dia). Impossível transpor para um texto a riqueza da experiência, e o quanto e como essas pessoas têm tanto a ensinar sobre vida, valores e sabedoria popular.


Serviço:
O Fim e o Princípio, de Eduardo Coutinho
Sala Walter da Silveira (Biblioteca Central dos Barris), 20h
O ingresso custa uns 2 reais
Sobre o diretor:
Eduardo Coutinho é o mais importante documentarista brasileiro em atividade. Entre seus filmes mais conhecidos estão "Cabra Marcado para Morrer", “O Fio da Memória”, “Boca de Lixo”, "Santo Forte", “Babilônia 2000”, "Edifício Master" e "Peões”. Na década de 70, trabalhou no Globo Repórter, na época áurea do programa, quando vários documentaristas importantes eram os realizadores.
Para saber mais sobre Coutinho:
- "Espelho Partido - Tradição e transformação do documentário", de Sílvio Da-Rin. Excelente publicação nacional sobre a história do documentário, com análises das obras (inclusive teóricas) dos principais representantes do gênero, principalmente da escola Griersoniana e do trabalho de Vertov. No final do livro, Da-Rin dedica espaço a Arthur Omar, Jorge Furtado e Eduardo Coutinho. O prefácio é asinado por João Moreira Salles, e a orelha por Amir Labaki. Azougue Editorial, 2004. R$ 35,00 em média.
- "Documentário no Brasil: Tradição e Transformação", de Francisco Elinaldo Teixeira. Esse livro é uma compilação de ensaios de vários autores sobre o documentário brasileiro e inclui um capítulo dedicado a Eduardo Coutinho, escrito por Consuelo Lins, que nos leva diretamente a... (Summus Editorial, 2004. R$ 48,00)
- "O Documentário de Eduardo Coutinho - Televisão, cinema e vídeo". Esse livro de Consuelo Lins é exclusivamente dedicado à exposição e discussão sobre a obra do diretor. O prefácio também é de João Moreira Saller. Jorge Zahar, 2004. Não lembro quanto custa.
* Fotos de divulgação do filme

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