Michael Moore - O Alter Ego da América
Curiosamente, dois livros de Michael Moore encabeçam há tempos listas dos mais lidos nos Estados Unidos. “Stupid White Men” (editado em português como “Stupid White Men - Uma Nação de Idiotas”) é bestseller desde 2002, ininterruptamente.
Já o novíssimo “Dude, Where’s My Country?”, lançado no Brasil como “Cara, Cadê o Meu País?”, no último dia 5, pela editora Francis, não sai do páreo dos mais vendidos do jornal New York Times, há 21 semanas.
A versão que chega ao Brasil conta com prólogo exclusivo, em que Moore nos insufla a resistir à ALCA, bem como a qualquer tipo de dominação norte-americana, e dá a partida às críticas ferrenhas que permeiam todo o livro. O objetivo do autor seria, também, chamar a atenção da população dos EUA para irregularidades no governo Bush, para que ele não seja reeleito em hipótese alguma.
Como diz o próprio Michael Moore, seus livros não são de auto-ajuda, não ensinam como se faz para ficar milionário, como melhorar os relacionamentos homem-mulher, nem são policiais “qualquer nota”. Como explicar, então, que os americanos gostem tanto de um autor que os critica tão impiedosamente?
Talvez, e mais uma vez destilando o sarcasmo que dá o tom de todas as suas produções, sejam elas literárias ou cinematográficas, Moore diria que, acéfalos que são, os yankees estão apenas seguindo uma onda ou tentando pousar de cool, antenados e engajados. Ou, quiçá, o gosto da América pelo filho que lhe renega reflete o que às vezes parece ser o verdadeiro retrato de Michael Moore: mais um produtão, só que agora com embalagem às avessas, de uma indústria e uma sociedade que ele tanto critica. Qual o problema de ser produto? Nenhum...
Não há aqui a propensão de se adotar uma postura frankfurtiana, mas a de chamar a atenção para aqueles que, antes mesmo de conhecer o trabalho de Moore, aderem ao hype que existe em torno dele, há uns dois anos, desde o lançamento de “Tiros em Columbine”, vencedor do Oscar de melhor documentário no ano passado.
A propósito, “Stupid White Men – Uma Nação de Idiotas” já vendeu mais de 40 mil cópias no Brasil desde 2002, e “Cara, Cadê o Meu País?” sai com tiragem inicial de 50 mil exemplares para o mercado nacional. Uma pergunta: quantos títulos brasileiros, de escritores tão ou mais talentosos, alcançaram essa marca? Ufanismo? Não. Apenas preocupação com a aderência irrestrita a modismos.
Um americano são? Tudo bem, é ótimo que alguém faça críticas ferrenhas principalmente à política (interna e externa) norte-americana, com um discurso fundamentado e uma ótima argumentação. Mas, às vezes, tudo parece um exercício de egocentrismo de Moore. É como se a finalidade do que produz fosse em primeiro lugar a sua própria satisfação pessoal, ou a busca por um reconhecimento totalmente voltado para ele próprio. Não por acaso, Moore normalmente é personagem dos próprios filmes.
Os “produtos Michael Moore”, por outro lado, mostram que engajamento, politização e panfletarismo não são necessariamente sinônimos de discursos inflamados em defesa do socialismo, com direito a citações de Marx. Moore faz da degustação da sua obra cheia de comicidade um deleite, sem entrar aqui no mérito da profundidade das suas críticas ao american way of life.
Inclusive, as inúmeras referências à cultura pop que permeiam o seu trabalho tornam a produção do polêmico escritor/diretor bastante aprazível. Independentemente de um desgosto pessoal pelo estilo “All by myself” de Michael Moore, um cineasta que interioriza ao extremo o clichê “câmera como arma” (sem trocadilhos, por favor!), ele, pelo menos, é um daqueles cineastas que nos fazem ver como os americanos são estranhos, cruéis com os perdedores, cheios de moralismos e de uma paranóia social.
Mas... Quer mais e melhor? Críticas menos ácidas e muito, muito mais profundas? Vá rever "Magnólia" (Paul Thomas Anderson), "Beleza Americana" (Sam Mendes), ou procure filmes de Robert Altman na locadora perto da sua casa. Assista os filmes de Todd Solondz, um diretor que, com muita sutileza e nenhuma bandeira a levantar, ou sem muito menos ser um gênio do cinema, nos faz rir ao ver o quanto é ridículo o estilo de vida ordinário que as típicas famílias americanas levam, ou nos choca aos nos mostrar o quanto a América é pervertida, e como seus filhos são, via de regra, fracassados, a despeito da conotação que o termo loser (perdedor) tem pelos lados de lá.
Ah... é bom que fique claro: nada contra os americanos, ou os EUA, que produzem o melhor cinema do mundo (pelo menos no quesito técnico), boa literatura, ótima música, e cultura pop da melhor qualidade. Mas as “anomalias contemporâneas” que os acometem, como disse Carlos Heli de Almeida, são realmente merecedoras de análise. E mesmo com as qualidades que seu trabalho apresenta, Michael Moore ainda não parece ser o cara que vai fazê-las com maior propriedade.
Como diria Pedro Butcher, à época do lançamento de “Tiros em Columbine”, “o que há de mais provocativo no cinema de Moore não são as críticas fáceis a George Bush e à política militarista dos EUA, mas sua cara-de-pau ao recorrer à chantagem e ao sentimentalismo para chegar onde quer. Moore, pelo menos, ainda acredita que pode mudar o mundo com o cinema. Existe beleza aí, apesar de tudo.”
* Post originalmente publicado no dia 23 de maio
Já o novíssimo “Dude, Where’s My Country?”, lançado no Brasil como “Cara, Cadê o Meu País?”, no último dia 5, pela editora Francis, não sai do páreo dos mais vendidos do jornal New York Times, há 21 semanas.
A versão que chega ao Brasil conta com prólogo exclusivo, em que Moore nos insufla a resistir à ALCA, bem como a qualquer tipo de dominação norte-americana, e dá a partida às críticas ferrenhas que permeiam todo o livro. O objetivo do autor seria, também, chamar a atenção da população dos EUA para irregularidades no governo Bush, para que ele não seja reeleito em hipótese alguma.
Como diz o próprio Michael Moore, seus livros não são de auto-ajuda, não ensinam como se faz para ficar milionário, como melhorar os relacionamentos homem-mulher, nem são policiais “qualquer nota”. Como explicar, então, que os americanos gostem tanto de um autor que os critica tão impiedosamente?
Talvez, e mais uma vez destilando o sarcasmo que dá o tom de todas as suas produções, sejam elas literárias ou cinematográficas, Moore diria que, acéfalos que são, os yankees estão apenas seguindo uma onda ou tentando pousar de cool, antenados e engajados. Ou, quiçá, o gosto da América pelo filho que lhe renega reflete o que às vezes parece ser o verdadeiro retrato de Michael Moore: mais um produtão, só que agora com embalagem às avessas, de uma indústria e uma sociedade que ele tanto critica. Qual o problema de ser produto? Nenhum...
Não há aqui a propensão de se adotar uma postura frankfurtiana, mas a de chamar a atenção para aqueles que, antes mesmo de conhecer o trabalho de Moore, aderem ao hype que existe em torno dele, há uns dois anos, desde o lançamento de “Tiros em Columbine”, vencedor do Oscar de melhor documentário no ano passado.
A propósito, “Stupid White Men – Uma Nação de Idiotas” já vendeu mais de 40 mil cópias no Brasil desde 2002, e “Cara, Cadê o Meu País?” sai com tiragem inicial de 50 mil exemplares para o mercado nacional. Uma pergunta: quantos títulos brasileiros, de escritores tão ou mais talentosos, alcançaram essa marca? Ufanismo? Não. Apenas preocupação com a aderência irrestrita a modismos.
Um americano são? Tudo bem, é ótimo que alguém faça críticas ferrenhas principalmente à política (interna e externa) norte-americana, com um discurso fundamentado e uma ótima argumentação. Mas, às vezes, tudo parece um exercício de egocentrismo de Moore. É como se a finalidade do que produz fosse em primeiro lugar a sua própria satisfação pessoal, ou a busca por um reconhecimento totalmente voltado para ele próprio. Não por acaso, Moore normalmente é personagem dos próprios filmes.
Os “produtos Michael Moore”, por outro lado, mostram que engajamento, politização e panfletarismo não são necessariamente sinônimos de discursos inflamados em defesa do socialismo, com direito a citações de Marx. Moore faz da degustação da sua obra cheia de comicidade um deleite, sem entrar aqui no mérito da profundidade das suas críticas ao american way of life.
Inclusive, as inúmeras referências à cultura pop que permeiam o seu trabalho tornam a produção do polêmico escritor/diretor bastante aprazível. Independentemente de um desgosto pessoal pelo estilo “All by myself” de Michael Moore, um cineasta que interioriza ao extremo o clichê “câmera como arma” (sem trocadilhos, por favor!), ele, pelo menos, é um daqueles cineastas que nos fazem ver como os americanos são estranhos, cruéis com os perdedores, cheios de moralismos e de uma paranóia social.
Mas... Quer mais e melhor? Críticas menos ácidas e muito, muito mais profundas? Vá rever "Magnólia" (Paul Thomas Anderson), "Beleza Americana" (Sam Mendes), ou procure filmes de Robert Altman na locadora perto da sua casa. Assista os filmes de Todd Solondz, um diretor que, com muita sutileza e nenhuma bandeira a levantar, ou sem muito menos ser um gênio do cinema, nos faz rir ao ver o quanto é ridículo o estilo de vida ordinário que as típicas famílias americanas levam, ou nos choca aos nos mostrar o quanto a América é pervertida, e como seus filhos são, via de regra, fracassados, a despeito da conotação que o termo loser (perdedor) tem pelos lados de lá.
Ah... é bom que fique claro: nada contra os americanos, ou os EUA, que produzem o melhor cinema do mundo (pelo menos no quesito técnico), boa literatura, ótima música, e cultura pop da melhor qualidade. Mas as “anomalias contemporâneas” que os acometem, como disse Carlos Heli de Almeida, são realmente merecedoras de análise. E mesmo com as qualidades que seu trabalho apresenta, Michael Moore ainda não parece ser o cara que vai fazê-las com maior propriedade.
Como diria Pedro Butcher, à época do lançamento de “Tiros em Columbine”, “o que há de mais provocativo no cinema de Moore não são as críticas fáceis a George Bush e à política militarista dos EUA, mas sua cara-de-pau ao recorrer à chantagem e ao sentimentalismo para chegar onde quer. Moore, pelo menos, ainda acredita que pode mudar o mundo com o cinema. Existe beleza aí, apesar de tudo.”
* Post originalmente publicado no dia 23 de maio

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